segunda-feira, 13 de outubro de 2014

Retrospectiva

Estamos nos inícios dos anos 90, na TV apenas canais portugueses, e falar com os outros à distância só através do telefone de casa.

Moro num 3º andar, com vista para o meu bairro. Ao longe vejo o Tejo e a linha de comboio. Consigo ouvir  o sino da igreja a tocar, quando o vento sopra a favor.
Nas noites de verão ouço grilos e uivos nocturnos. O meu avô diz-me que há lobos na "floresta", e eu acredito com toda a inocência.

Por esta altura a minha grande dúvida é o porquê do meu avô ter apenas 2 dedos na mão esquerda, pergunto-me porquê, pergunto-lhe o que aconteceu... Esse mistério só o vim a saber anos mais tarde, e por outra contadora de histórias.
 
O meu quarto é escuro, apesar do sol tentar entrar todos os dias pela janela. O cheiro da alcatifa é característico. 
 
Gosto do labirinto que tenho que percorrer para chegar à minha cama, mas muitas vezes salto apenas por cima da cama do meu pai para chegar mais depressa à porta do quarto.

Passo horas sentada no chão do quarto, rodeada de dezenas de brinquedos. Desarrumo tudo com uma rapidez impressionante, mas arrumar...é tão complicado... (curioso como certas manias se mantêm mais de 20 anos depois).
 
No diário vou escrevendo os meus dias, mas não escrevo o que penso. Tenho a certeza que alguém iria ler o que escrevo (embora tenha a mania de esconder sempre o diário da vista dos curiosos). Só mais tarde comecei a por no papel aquilo que sentia, mesmo assim há coisas que nem aos diários se conta...
 
Anos mais tarde tive um rádio vermelho, que lia e gravava cassetes. Comecei a ouvir a Rádio Cidade e a Super FM. Lembro-me perfeitamente de ter cassetes sempre prontas para gravar as minhas músicas favoritas. Anos mais tarde o meu pai mandou instalar a TV Cabo, e fiquei fascinada com a MTV (sim... sou do tempo em que a MTV passava música).
 
Sempre tive um sonho de ter uma loja. Nas minhas brincadeiras de criança inventava lojas, vendia coisas, punha preços, vendia fiado, apontava as vendas e passava facturas. Também me lembro de cantar, sempre cantei, desde que me lembro. Nunca percebi se tinha talento para a coisa (a minha mãe diz que não).
 
Uma imaginação fértil não me faltava, à pala de viver sem irmãos fui obrigada a inventar, pensar e ocupar o tempo de mil e uma maneiras que ninguém imagina.
Quando ouço dizer alguém que teve uma infância feliz não consigo dizer se tive ou não uma infância feliz. Tive uma infância sonhadora, sempre sonhei demais... E de noite, passava horas e horas de olhos abertos a fazer mil e um filmes enquanto esperava pelo João Pestana.
 
Com o tempo aprendi a deitar-me e a adormecer (o truque é simplesmente não pensar). Mas faltava-me a maturidade suficiente para não pensar durante o dia. Porque já dizia o poeta "pensar é estar doente dos olhos".
 

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